O ESTUPRO CULPOSO NO CASO MARIANA FERRER: Clickbait?
Se quiser prosseguir na leitura abaixo saiba que não é uma defesa de mérito do processo, não é um juízo se o instrumento legal utilizado foi correto, não é uma defesa do sistema judiciário, não é uma defesa ao que aconteceu na audiência, não é uma defesa à qualidade das leis, não é uma defesa às práticas presentes na sociedade. Trata-se de uma análise pontual sobre jornalismo e sua relação com o direito penal e sobre os seus impactos, tendo como fonte uma matéria jornalística e os autos da sentença proferida.
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O jornalismo, minha área de formação, tem méritos e deméritos. Muito mais méritos, do que deméritos. Os deméritos são pequena parte, decorrência do fator humano da atividade. Afinal, toda atividade e toda instituição é afetada pelo fator humano.
Nessa ocasião, tratarei de um demérito, de um veículo que, geralmente, traz boas reportagens. Ao tratar dos óbvios absurdos ocorridos na audiência judicial de Mariana Ferrer, o Intercept Brasil usa o título: “𝘑𝘜𝘓𝘎𝘈𝘔𝘌𝘕𝘛𝘖 𝘋𝘌 𝘐𝘕𝘍𝘓𝘜𝘌𝘕𝘊𝘌𝘙 𝘔𝘈𝘙𝘐𝘈𝘕𝘈 𝘍𝘌𝘙𝘙𝘌𝘙 𝘛𝘌𝘙𝘔𝘐𝘕𝘈 𝘊𝘖𝘔 𝘚𝘌𝘕𝘛𝘌𝘕Ç𝘈 𝘐𝘕É𝘋𝘐𝘛𝘈 𝘋𝘌 ‘𝘌𝘚𝘛𝘜𝘗𝘙𝘖 𝘊𝘜𝘓𝘗𝘖𝘚𝘖’....”.
Ao final da matéria consta uma atualização: “𝘈 𝘌𝘟𝘗𝘙𝘌𝘚𝘚Ã𝘖 ‘𝘌𝘚𝘛𝘜𝘗𝘙𝘖 𝘊𝘜𝘓𝘗𝘖𝘚𝘖’ 𝘍𝘖𝘐 𝘜𝘚𝘈𝘋𝘈 𝘗𝘌𝘓𝘖 𝘐𝘕𝘛𝘌𝘙𝘊𝘌𝘗𝘛 𝘗𝘈𝘙𝘈 𝘙𝘌𝘚𝘜𝘔𝘐𝘙 𝘖 𝘊𝘈𝘚𝘖 𝘌 𝘌𝘟𝘗𝘓𝘐𝘊Á-𝘓𝘖 𝘗𝘈𝘙𝘈 𝘖 𝘗Ú𝘉𝘓𝘐𝘊𝘖 𝘓𝘌𝘐𝘎𝘖. 𝘖 𝘈𝘙𝘛Í𝘍𝘐𝘊𝘐𝘖 É 𝘜𝘚𝘜𝘈𝘓 𝘈𝘖 𝘑𝘖𝘙𝘕𝘈𝘓𝘐𝘚𝘔𝘖. 𝘌𝘔 𝘕𝘌𝘕𝘏𝘜𝘔 𝘔𝘖𝘔𝘌𝘕𝘛𝘖 𝘖 𝘐𝘕𝘛𝘌𝘙𝘊𝘌𝘗𝘛 𝘋𝘌𝘊𝘓𝘈𝘙𝘖𝘜 𝘘𝘜𝘌 𝘈 𝘌𝘟𝘗𝘙𝘌𝘚𝘚Ã𝘖 𝘍𝘖𝘐 𝘜𝘚𝘈𝘋𝘈 𝘕𝘖 𝘗𝘙𝘖𝘊𝘌𝘚𝘚𝘖.”
A expressão “estupro culposo” ganhou diversos outros veículos e as redes sociais. A frase, que, apesar da justificativa, foi criada pelo Intercept como sendo a conclusão do processo, virou verdade quase absoluta.
Pode-se achar absurdo essa solução ao olhar o caso em tela. Mas este, pelos autos, não é um caso fácil, a lei tem dificuldades em achar uma solução adequada que puna abusadores e não condene inocentes. Existem julgados de casos mais simples, concluindo pela mesma tese, quando outros elementos do crime (talvez mais simples) estão em jogo, como a idade da vítima.
Indo ainda mais fundo na sentença a verdade é que o julgamento terminou com o juiz considerando que as provas não eram suficientes para decidir pela caracterização de todos os elementos do tipo penal..
O meu ponto é que na ânsia de promover justiça (ou talvez de se utilizar de click-bait) o Intercept Brasil criou uma ficção. E esta ficção tem sido replicada por diversos outros veículos, como se a “verdade” fosse deles. E a ficção é replicada por diversos outros influencers, políticos e, por fim, cidadãos comuns.
No fundo, ninguém e nada ganha com a criação da versão de que o acusado cometeu “estupro culposo”. Os desdobramentos legais do caso serão julgados afetados pela inflamação da opinião pública, podendo causar um possível julgamento errôneo, o fato (a ficção) será utilizada para desmerecer a versão da vítima ao confrontar com as informações constantes na sentença, instituições seguem mais desmoralizadas e o jornalismo será manchado, acusado de ser propagador de fake news.
Em tempo, a Itália demonstrou uma solução muito boa para esses tipos de casos. Para conseguir denunciar o jogador Robinho por estupro em situações muito similares a deste caso, a justiça autorizou a instalação de escuta telefônica e ambiental, esta no carro do jogador. Desta maneira conseguiu coletar indícios suficientes para desmontar qualquer versão de erro de julgamento do acusado.